terça-feira, 8 de março de 2011

HD - ou, Hard Disk




Eu tive um surto.
Foi uma crise, numa hora eu estava lá e na outra já não estava mais. Estava mas não estava. Meu corpo era meu mas o dono dele abdicara totalmente do desejo de comanda-lo.

 Estava na minha unidade, já havia separado meu material de bolso ( pra que chamar de material de bolso se não cabe no bolso? um  esfigmomanometro  digital, um termometro tambem digital, caneta, marcador, tesourinha de ponta romba, garrote, tampinhas de sistema, rolo de micropore ... entre outras coisas) na minha bandeja e ia ver o  livro da passagem de plantão, saber quem seria meu protegido do dia, ou, quantos seriam eles. Quem seria ganhador de toda minha atenção e alegria do dia? É, não é correto, eu sei, mas têm paciente que a gente se apega, gruda nele feito chiclé de bola... da mais sorrisos, dá uma massagem de conforto melhor realizada, olha com mais ternura e mais tempo. Tempo... se eu pudesse daria minhas doze horas para cada um dos meus pacientes, todos merecedores, seja lá qual for sua estória ou história de vida... Mas hoje eu não teria tempo...

'Tava' tão enjoada que a primeira coisa a fazer  não foi separar a roupa de cama de ninguém e sim correr para o banheiro dos fundos da TMO ( Transplante de Medula Ossea ) e esperar a nausea passar...e ela não passava, ao contrário, ficou mais forte...do que eu.

Minha 'amiga' de enfermagem ( quem faz enfermagem sabe que o termo 'colega' não cabe numa UTI, ou na Oncologia, que é onde eu trabalho ) me ajudou a ir até o PS...onde cheguei já em crise, sentada em uma cadeira de rodas que eu nem sei, francamente, de onde veio...só me lembro de pensar que a imagem de uma enfermeira, toda de branco, em uma cadeira de rodas no Pronto Socorro, não daria uma boa impressão à doente nenhum que fosse.

Pronto, já não era mais eu, era uma outra pessoa, uma criatura que sentia medo só de pensar que seu oxigênio iria acabar, de repente, de um minuto assim, do nada. Medo, nunca sentí tanto medo, nunca sentí minha pressão tão alta, os ouvidos estampindo, explodindo...As vozes das outras pessoas  me  enlouquecendo, super altas...e falavam, falavam ( e como falavam!  ) e não fazia sentido algum para mim o que falavam...nenhum.

Afere sinais vitais, PA 15x11 , batimentos no espaço, coração na boca seca, a unica coisa que parecia ficar molhada o tempo todo eram os olhos, que não paravam de chorar. Coloca esse comprimido sublingual de Diazepan, espera, vai ficar boa, filha olha só quanto oxigênio tem nesta sala, que medo bobo, relaxa, respira de-va-ga-ri-n-h-o-o-o-o.

Você tá boa querida? fala comigo amiga? consegue acompanhar o que eu digo? pra que chorar? tua família tá vindo...







Estamos no carnaval, hoje é terça... estou há 4 dias sem frequentar o Hospital Dia..e sinto que algo está errado, meu ar está rarefeito, minha alimentação vai me asfixiar assim que eu me deitar, o prédio vai ruir...eu não sei , mas... sinto falta de lá. É como se lá, e não aqui, fosse meu lar, minha casa, minha família ...

Quero voltar pra casa...mas...que casa ?
Ainda não  falei sobre o Hospital Dia...eu sei que não...

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